Desejo Ateu

Tesão artimanha da razão para nos fazer perder o juízo
Engrandece a matéria, o desejo, a libido
A vontade não sacia o arrepio na espinha
O calor do corpo insano, a pele, encostada por engano.
Palavras sem sentido, vezes ditas ao pé do ouvido
Carecem de recado, cultuam o pecado
Sabor inusitado, quando muito proibido
Vira fato consumado.

Dizem não cobiçaras. À vontade o fará
Perdoe-me o próximo, falo em nome do deleite
O prazer que esquenta a carne faz do outro o enfeite
Sinto-me profana, mais gostosa do que nunca
Entre as pernas uma chama, uma nobre vagabunda
Se me entrego me arrependo, se seguro não agüento
Uma puta em rebeldia, furiosa no momento
Deusa da pornografia

Ao cristão arrependido, preocupado com o pecado
Patético e reprimido um rebanho mal tratado
Deixo aqui a insolente verdade que vos trago
Do desejo sou escrava, antes ele do que deus
Ovelha a qualquer homem. Realizo sonhos meus
De vontade não padeço, do sexo não abro mão
Desejada sem vergonha, corrompida a razão
O corpo aqui escreve inconsciente do meu eu
Grandiosa tentação: Meu tesão pelos ateus.

Solidariedade Cristã

O barraco da Luzia parecia uma taberna, construído na favela com papel e lata velha.
Cama de papelão, escrivaninha de latão a fogueira era o fogão.
Nascida de parteira, na barraca de uma feira, abandonada na soleira, sem eira nem beira.
Sua mãe era uma puta, o pai ninguém conhece, um estrangeiro, um maloqueiro quem sabe um macumbeiro. O que importa?
Aos trinta era magrela, desdentada e banguela. Tinha pelos no bigode, no sovaco, vê se pode, tinha cheiro de azedo. Na mão esquerda só o toco na mão direita só um dedo.
Na Bahia fez 03 filhos em São Paulo mais nenhum. Os filhos que tivera ficaram na terra do Olodum. Para onde foram ninguém sabe, ninguém nunca saberá. A narradora desta história não pretende lhes contar.
A Luzia era guerreira, dia e noite faxineira, todo dia no batente. O domingo era sagrado, pra rezar pelos pecados de nascer tão indigente.
No latão a sua bíblia, no pescoço o escapulário, o crucifixo que ganhara, dentro do armário. A igreja era alegria, conformava a rebeldia, garantia a salvação. Como todo bom cristão a Luzia sempre orava e pedia redenção.
Tomava a sua hóstia e o vinho consagrado pela transubstanciação. Era o corpo de seu cristo, o sangue do seu deus. Tudo em que acreditava, o que a fé lhe ofereceu.
A caridade era um princípio, o amor uma verdade, dentre todos os valores estava a solidariedade.
A pobre favelada não almejava o conforto. Vivia tão precariamente, não diferente de um porco.
Entre o dízimo e a doação não lhe sobrava um tostão, satisfeita ela vivia, vez enquanto repetia: “é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de deus”.
O seu lugar era garantido, seria um dos poucos escolhidos para tocar harpa no céu. Havia sim alguns pecados, já estavam perdoados, sacramentos consumados, a deus era fiel.
Amava o todo poderoso, não invocava o nome em vão, não cobiçava coisas alheias e a seus pais tinha gratidão.
Voltando do serviço, livre de qualquer vício veja o que lhe aconteceu:
Luzia foi atacada, por três homens espancada e então violentada.
Passou semanas no hospital, alguns diziam ser letal, não sobreviveria desse mal.
Poucos a visitaram, alguns a julgaram: “É filha da puta” eles diziam. Para aqueles que não sabiam, logo foi uma explicação.
A mulher sobreviveu se apegou em sua fé, se agarrou as suas forças, em três semanas estava em pé.
Descobriu estar gestante. E como se já não fosse o bastante contraiu o vírus mutante.
Desamparada e atordoada Luzia se apavorou: Em um rompante de lágrimas seu filho ela tirou.
O rebanho tão querido, mais amado, mais amigo, sabendo do ocorrido não tardou em espalhar. A noticia correu logo, tão depressa não sei como, chegou breve ao altar.
O vaticano tomou ciência, não pensou em dar clemência, apressou-se em julgar.
Era fato consumado, pela bíblia respaldado o papa nem quis se levantar.
Sentado em seu trono, na postura imbatível, proferiu seu julgamento severo e infalível:
Luzia desgraçada, humilhada e estuprada, foi por deus excomungada.
Foi num dia de agosto, com a corda do desgosto, enrolado no pescoço que Luzia saltou. Suicidou ao meio dia, acusada de vadia, sua vida acabou.

Foi pro céu? Não sei. Para o inferno? Ninguém sabe.

Na missa de domingo foi motivo de sermão: “Veja só o que acontece com quem não é um bom cristão!”
Não sou dada há fantasia, tenho horror a hipocrisia, eis aqui uma lição:

Só há uma garantia a qualquer religião: Os vermes satisfeitos por mais uma refeição.

A má fé...

Petrônio Macedo, 35 anos, casado, demente, quero dizer: temente, a deus. Cobiçava a mulher do próximo, perdoava-se por não ser tão próximo. Católico de nascença, evangélico em sua essência. Espancava esporadicamente seus três filhos, já lhe dizia a mãe: Se não vai pelo amor, vai pela dor. O mais longe que fora na literatura consistia em algumas páginas da escritura. Miserável nas condições financeiras, a vida se resumia em suas barracas nas feiras. Jamais lhe faltaria o dízimo, dava-se por satisfeito.
Segunda a sábado se resumia a frutas: Maça, pêra, romã. Uva, jabuticaba, goiaba. Laranja, morango e banana, assim finalizava a semana. Domingo era um homem devotado. Á bíblia, a deus, ao pastor e ao estado.
Orava por todos que amava inclusive a quem odiava. Fazia-o pelo grande temor. Medo do deus do amor. O pastor não poupava as palavras: “Jesus ou a dor!”.
Seu barraco, um tanto capenga, a cama era a rede debaixo da tenda. Madalena Batista uma bela esposa, conhecera-a no tempo da lousa. Bons tempos aqueles. Não passara da quarta série, a gravidez da namorada, a ignorância constatada, o estudo não serviria pra nada.
Nunca se arrependeu, era macho de mais para arrependimentos, as chances que perdeu era no mínimo desejo de deus.
É extraordinário o que lhe aconteceu: No domingo do culto a seu deus, uma revelação se sucedeu: Ao acordar as sete da matina, Madalena Batista já havia dobrado a esquina. Estranhou e até quis insultá-la. Impossível por tanto amá-la. Preferiu acreditar na vizinha: “Foi buscar uma remédio pra enxaqueca, coitadinha”. Esperou por três dias e meio, vasculhou o bairro, os parques, as escolas, até os bueiros.
O pastor resolveu logo a questão: Madalena havia subido aos céus. Petrônio Macedo, coitado, teria acreditado até se dissessem que foi virar ajudante de Noel.
Virou logo uma celebridade, marido da mulher mais santa da cidade. Alguns chegavam a dizer que era virgem. Petrônio Macedo, cabra macho que era não gostou da citação, mas dizia-lhe o pastor: “É para o bem do povão”.
O tempo passou, um templo montou. A população da pequena cidade de Assunção se esforçava para caber na lotação, quem em letras garrafais dizia: Igreja de todos os dias.
Das frutas Petrônio abriu mão, já estava garantido o seu pão. Seus filhos agora estudavam, faziam inglês, computação e redação. O mais velho responsável pelo evangelho, o mais moço só servia para lhe causar desgosto.
Petrônio Macedo ficara até mais bonito, dentes mais brancos, ternos mais nobres, Madalena nem acreditaria se tivesse o visto.
Acontece que nem tudo é perfeito, nem mesmo tendo se tornado o melhor amigo do prefeito! No dia mais cinzento do ano, aconteceu um milagre: sua mulher aparecera no templo, mãos dadas com seu velho amigo Bento. Petrônio quase não pode acreditar, de tão trêmulo caiu do altar.
Lembrou-se das palavras do pastor: Sua mulher teria sido levada pelo Senhor. O rebanho logo a notou. Por um segundo o local ficou todo agitado, o povo reclamava por todos os lados, queriam uma explicação, um sentido. Petrônio, já então um bandido, gritou comovido: Bento meu grande amigo, então és tu o deus prometido?