O barraco da Luzia parecia uma taberna, construído na favela com papel e lata velha.
Cama de papelão, escrivaninha de latão a fogueira era o fogão.
Nascida de parteira, na barraca de uma feira, abandonada na soleira, sem eira nem beira.
Sua mãe era uma puta, o pai ninguém conhece, um estrangeiro, um maloqueiro quem sabe um macumbeiro. O que importa?
Aos trinta era magrela, desdentada e banguela. Tinha pelos no bigode, no sovaco, vê se pode, tinha cheiro de azedo. Na mão esquerda só o toco na mão direita só um dedo.
Na Bahia fez 03 filhos em São Paulo mais nenhum. Os filhos que tivera ficaram na terra do Olodum. Para onde foram ninguém sabe, ninguém nunca saberá. A narradora desta história não pretende lhes contar.
A Luzia era guerreira, dia e noite faxineira, todo dia no batente. O domingo era sagrado, pra rezar pelos pecados de nascer tão indigente.
No latão a sua bíblia, no pescoço o escapulário, o crucifixo que ganhara, dentro do armário. A igreja era alegria, conformava a rebeldia, garantia a salvação. Como todo bom cristão a Luzia sempre orava e pedia redenção.
Tomava a sua hóstia e o vinho consagrado pela transubstanciação. Era o corpo de seu cristo, o sangue do seu deus. Tudo em que acreditava, o que a fé lhe ofereceu.
A caridade era um princípio, o amor uma verdade, dentre todos os valores estava a solidariedade.
A pobre favelada não almejava o conforto. Vivia tão precariamente, não diferente de um porco.
Entre o dízimo e a doação não lhe sobrava um tostão, satisfeita ela vivia, vez enquanto repetia: “é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de deus”.
O seu lugar era garantido, seria um dos poucos escolhidos para tocar harpa no céu. Havia sim alguns pecados, já estavam perdoados, sacramentos consumados, a deus era fiel.
Amava o todo poderoso, não invocava o nome em vão, não cobiçava coisas alheias e a seus pais tinha gratidão.
Voltando do serviço, livre de qualquer vício veja o que lhe aconteceu:
Luzia foi atacada, por três homens espancada e então violentada.
Passou semanas no hospital, alguns diziam ser letal, não sobreviveria desse mal.
Poucos a visitaram, alguns a julgaram: “É filha da puta” eles diziam. Para aqueles que não sabiam, logo foi uma explicação.
A mulher sobreviveu se apegou em sua fé, se agarrou as suas forças, em três semanas estava em pé.
Descobriu estar gestante. E como se já não fosse o bastante contraiu o vírus mutante.
Desamparada e atordoada Luzia se apavorou: Em um rompante de lágrimas seu filho ela tirou.
O rebanho tão querido, mais amado, mais amigo, sabendo do ocorrido não tardou em espalhar. A noticia correu logo, tão depressa não sei como, chegou breve ao altar.
O vaticano tomou ciência, não pensou em dar clemência, apressou-se em julgar.
Era fato consumado, pela bíblia respaldado o papa nem quis se levantar.
Sentado em seu trono, na postura imbatível, proferiu seu julgamento severo e infalível:
Luzia desgraçada, humilhada e estuprada, foi por deus excomungada.
Foi num dia de agosto, com a corda do desgosto, enrolado no pescoço que Luzia saltou. Suicidou ao meio dia, acusada de vadia, sua vida acabou.
Foi pro céu? Não sei. Para o inferno? Ninguém sabe.
Na missa de domingo foi motivo de sermão: “Veja só o que acontece com quem não é um bom cristão!”
Não sou dada há fantasia, tenho horror a hipocrisia, eis aqui uma lição:
Só há uma garantia a qualquer religião: Os vermes satisfeitos por mais uma refeição.
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